Ao adormecer, antes mesmo de chegar à cama,
determinei meu destino doravante. Vou partir. Não haverá quem me detenha e fico
pensando que já não é sem tempo uma vez que este desejo ronda meus sonhos todas
as noites e agora chegou a hora de colocar o pé na estrada sem receio. Eu digo
sem covardia porque minhas maletas já estão lotadas e organizadas, pelo menos
dentro da minha cabeça. Conheço minhas preferências.
O mais interessante desta ação se concentra no
fato de que ao tentar arregimentar roupas, objetos e quinquilharias com certa
ordem de necessidade, surpreendi-me com um cansaço físico fora de hora, para
dizer o mínimo. Olhei no entorno para verificar a separação e me surpreendi,
porque ali não havia sinal de carregamento. Não havia casacos, calças, saias,
vestidos, blusas, brincos, pulseiras, sapatos, cintos ou bolsas. O que se
apresentou a mim foram acontecimentos, datas, coração partido, alegrias
efêmeras, tristezas profundas, perdas inconsoláveis, parcos regozijos. Motivos,
os mais diversos, muito mais do que eu podia lembrar. Quiçá carregar.
Minha resolução férrea em relação ao meu
destino ficou mais forte ao perceber que a bizarrice de minha partida passava
pela falta absoluta do que levar de bens materiais. Sumiram como névoa da
manhã, esconderam-se como se culpados fossem, desapareceram completamente da
premência e da falsa necessidade que lhes dava corpo e alma.
Fiquei cercada pela minha existência real,
aparentemente acotovelada em situações, todas querendo fazer parte do pacote de
arrancada, mesmo aquelas circunstâncias que não tiveram, em si, tanta
relevância ou tanto amor envolvido. Fiquei indecisa e bem confusa, mas inspirei
um ar de paciência para poder organizar meu plano de evasão sem ter de suportar
o que eu já havia tolerado em tempos outros.
Aparece então, rodeada de importância, a
minha autonomia para fazer a partilha. É chegada a hora do juízo final ao qual
me ajoelhei em prantos para poder seguir em frente. E assim, no este fica este
outro não, fui racionando os pedaços da minha caminhada tendo o cuidado de
fazer um isolamento justo, pois afinal, as duas valises que eu decidira levar
não se sobressaiam por serem espaçosas. Muito pelo contrario. Também considerei
que a iniciativa teve de arcar com apenas peso emocional, mas eu não tinha tido
opção, no bota-fora, urge que se leve a alma, mesmo repatriada.