sexta-feira, 5 de maio de 2017

A corrida


Olhei para esta foto e me incorporei a ela como se ali estivesse meu corpo, meus cabelos, meu vestido e o mar, meu companheiro de todas as horas, mesmo que ele se manifeste diferente todos os dias. Vai ver que eu sou parecida, gosto de me camuflar, de receber da natureza a reza do dia, se vou estar com humor chumbado por conta da umidade, descabelada por causa dos ventos ou serena como ondas no quebra-mar em dia ensolarado. Gosto de pensar que o mar é meu irmão, minha irmã, meu pai e minha mãe e que os agregados que se manifestam com ele por conta da vida que anda, são meus amigos, meus conhecidos e mais o que passar na minha frente.

Vai daí que andar junto a ele me traz novas vidas sempre, nas caminhadas volto em minhas pegadas brincando de saber o que eu estava pensando quando fui até logo ali, mas nunca consigo lembrar porque a cada passo verto lágrimas de toda a espécie, sorrio sem achar graça, olho sem ver, sinto calor sem estar coberta e às vezes, não consigo levantar o olhar para ele, que me acompanha com seu alvoroço.

Com este meu jeito de ir, ao voltar o caminho minhas pegadas já sumiram, então lá vou eu a costurar o que a vida me apresentou neste dia. Pode ter sido algo que nem tomei conhecimento porque na beira do mar não tem telefone, então pode ser que alguém esteja tentando me contatar, mas eu não estou na casa, pode ser também que as telas da modernidade estejam também piscando desesperadas me mandando recados, mas estou indisponível.

Gostei desta parte do “indisponível”, um pecado mortal nos dias de hoje, porque não temos autorização para ficar de fora do “modus operandi”. Assim que eu e minha “família mar” reservamos as manhãs para esta conversa de louco, esta troca de energia, este jeito inusitado de driblar a tristeza, esta maneira incomum de ser um todo, mesmo que a atmosfera não nos deixe ficar bem pertinho, mesmo que as ondas não venham banhar meus pés, mesmo que a família esteja revolta em clima que não consegue sequer olhar para mim. Anda ocupada.

A figura demonstra um jeito apressado e talvez seja a perfeita demonstração do que houve, da pressa que eu tinha em mudar, da urgência em voltar a ser quem eu era mesmo que a corrida pudesse ser apenas uma vontade e não uma certeza de chegar ao paradeiro. 

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