segunda-feira, 20 de março de 2017

Âncoras


Ficar de cara com estes dois instrumentos que reza a lenda servem para segurar a vida no fundo de aquíferos, uns mais poderosos outros menos, não tem outra serventia a não ser voltar atrás para pensar nos tantos mares navegados e grandezas em que as âncoras foram lançadas, e por ali ficaram enterradas, sem a menor chance de serem içadas para seguir a navegação da vida, cruzar águas doces, salobras, salgadas, tormentosas ou calmas, quem vai saber.

Trazê-las à tona estabelece uma interlocução no tombadilho da rotina e assim urge raspar com impertinência sua cracas. Limar suas partes podres, alisar a textura que aparece desregrada e que somente existiu para lhe suportar, para segurar seus caminhos em um canto escolhido ou não. Talvez haja vida grudada ali e sequer insuspeita, sendo um pouco difícil livrar-se desta história que ficou submersa e calada, mas andando a par e par.

Encostadas no muro de pedra se encontram cruzadas levemente uma na outra, com as correntes lhe enlaçando com aparente leviandade, deixando escorrer por entre as pedras uma ferrugem, que sem ter muito para onde ir, se grudou ali, deixando o local com um toque visceral, uma vez que ressurgiu das profundezas. De repente, parece que também ali se assentam há um tempinho, pelo menos o suficiente, para derramar algumas de suas tantas seivas acumuladas.

Pode ser até que neste período tenha absorvido através das correntes fatos que aconteceram na vida da superfície e que submergiram até a base, talvez por não suportar a realidade ou por não ter mais saída para o sofrimento e a angústia. Quem sabe o peso das âncoras começou a ser sentido não como um arrimo que é seu objetivo, mas como uma força que obriga a estagnação, que prende os passos, que desvirtua os desejos de seguir em frente, de renovar o cais, de atracar em outros portos ao invés de se ater a um jeito somente de viver.

Aparentemente, estes artefatos, que servem para estabilizar, desistiram e emergiram após verificar que os acontecimentos no convés escorregavam por sobre as amarras, acabando com as chances de vislumbre de um destino pensado.

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