Parecia que neste inicio de tarde a modorra
havia se instalado de tal forma na casa
que quase todos os aspectos da vida doméstica sofria de um caso agudo de
lerdeza, ali ninguém se movia com rapidez, não havendo celeridade para as
coisas mais urgentes como ganhar a vida, sair para realizar várias tarefas
importantes. Tudo isso parecia não ter a menor servidão, não havia premência
naquela tarde.
O sol entrava com toda força arrancando de
qualquer fresta o escondido, esturricando tudo o que é sensível a ele, além de
dar-se o ar da graça de ser um rei assustador, colocando sombras em tudo,
trazendo mais fantasias do que já se tem por aqui. Deste jeito o inocente
quebra-luz dá uns ares de gigante se refletindo esguio como nunca fora, o
mochinho inocente se torna banqueta de bar, as almofadas viram lascivos lounges assim como toda a decoração se
metamorfeseia ondulando seus traços para mais e para menos, tornando a composição
do ambiente totalmente independente do seu arranjo original.
As flores se arrebentam de tanta luz e a
fotossíntese se acelera de tal maneira que é quase possível ver os brotos
desabrocharem, as cores ficarem vibrantes, as minhocas se engalfinharem dentro
dos vasos, abrindo caminhos mais arejados para si e para as raízes que
acompanham a euforia dos amigos colocados juntos em um mesmo recanto. Mais para
trás, as violetas sentem que a claridade aumentou em muito o seu reflexo e
partem também para florar logo seus botões antes que emudeça a voz do rei.
A bicicleta por sua vez que descansa em meio
as pernas da mesa quase vira uma carruagem de tanta luminosidade que lhe
reflete o tampo de vidro antigo, por onde partes suas se abrigam, seus raios se
veem refletidos em mil varetas contra a parede formando um mosaico de luz e sombra
prateados. E assim, do mesmo modo que chegou, o tão reluzente rei inicia o
movimento contrário e assim todos na casa vão retomando seu status verdadeiro,
sem esquecer da insólita aventura deste dia depois da chuva.
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