domingo, 21 de junho de 2015

Refletir reflexo


Multifacetados, o tempo dos dias segue inauditos, céleres e performáticos sem que se consiga dominar todos os seus significados parecendo de vez em quando que não estamos na vida, mas ela está em nós, empurrando ladeira abaixo e acima no roldão.  Ao levantar a mão para fazer um cumprimento, ao cair na tentação de dar uma parada, no atropelo de esboçar um sorriso, na ânsia de um abraço, no desejo de um beijo, parte de nós se abstrai. Furta-se de enxergar e nossos olhos são feridos pelo fulgor sem fim de todo o entorno autocentrado.

O mundo todo brilha e se reflete incessantemente sendo que alguns destes raios transparentes não trazem mudanças significativas apontando apenas rumos traçados tempos atrás, como uma marca tão forte que parece impossível sair do caminho. Escondidos no prumo, engolidos pela mesmice, encurralados em falsa segurança, fincamos o olhar no espelhamento que se impõe, presos nas horas desesperadas de se ver refletido na luz que somos obrigados a possuir.

A meta é seguir em frente a qualquer custo não ocorrendo que entre um fulgor e outro poderá haver uma trilha secreta, um caminho não sugerido, uma salvação de alma penada, uma credulidade de única escolha, a fatalidade de outro jeito de fazer as coisas.

No viés de tanto clarão jorrado por, e em cima, da nossa existência, não parece viável a escolha de um caminho mal iluminado, uma rota com novas pedras, outros andantes, dificuldades jamais imaginadas e na contrapartida, quem sabe, uma ladeira íngreme que, surpreendentemente, ao invés de te fazer subir na exaustão, te puxará docemente para o cume. Quem sabe o abismo que se apresenta assustador não fará exatamente o contrário, oferecendo uma descida com acolhimento delicado em seu leito.


A opção de pisar em solo diferente, com pedras reais empoeiradas pela passagem de aventureiros iguais, alamedas verdes algumas e outras nem tanto, cantos mais escuros reclamando com toda força uma descoberta, cavernas úmidas a espera de uma nesga de sol. Jardins desiguais pelo simples fato de uma terra ser mais fértil e outras nem tanto, mas que aguardam o desafio e por este motivo entregam uma chance. Caminhos e descaminhos se dobram como sinos muito antigos, um alerta para esta vida viciosa do refletir-se.

domingo, 14 de junho de 2015

Valores


Não vai longe o dia do acreditar, de se jogar de ponta cabeça porque o dito vinha com tanta ênfase que seria uma desumanidade ignorá-los. A cabeça feita vem antes, se sobrepondo muitas vezes ao que virá depois e então, ao se deparar com o inaudito, a sensação de bobeada fica muito presente.

Assim é quando se fala muito e pouco se promete, assim é quando se destaca o que não tem a menor importância, ou pior ainda, se regozija do que deveria fazer parte isolada de um caso. Não parecer é coisa do passado e a verve hoje está centrada, poderosa, entre umbigos, solapando qualquer intenção de segredo.

Estes são os dias em que ainda não se está preparado para a torrente de qualidades e adjetivos superlativos com que as pessoas se apresentam. Não dá nem tempo de parar e escutar a fluidez da conversa, para, aos poucos, se tomar um fôlego e dar conta do terreno que se está pisando, não dá nem hora de pensar, e muito menos de sentir se há empatia ou não. Somos soterrados pela audácia do mostrar-se.

Então é assim: expor tudo de maneira incontrolável construindo uma imagem tão poderosa de si mesmo que perambulam por aí, não pessoas, mas sim espectros de si, fantoches montados minuciosamente, com um corte de tecido mais fino, com linhas de seda impecáveis, botões, bainhas e arremates folheados a ouro, se possível. Tudo do bom e do melhor, como se dizia antigamente, e que hoje nem cabe esta frase. O que cabe somente é o parecer ser e o ser, coitado, este está completamente desacreditado e sufocado pela multidão de bonecos fake que transitam nosso dia a dia, com uma riqueza de detalhes inventados. Os personagens parecem tapetes trançados ponto a ponto no detalhe.

Uma construção inócua porque o valor está na costura desencontrada, na conjunção do bem e do mal, no encontro de cores que não combinam, na percepção de tecidos mais leves junto aos mais ásperos, na visão de um lado de uma ponta rasgada e de outro, uma franja desarticulada.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...