terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Um aparte


Em primeiro lugar tirei o fone do gancho puxando-o até a orelha para ouvir o som da linha continuado, e depois dissonante, e imaginei a agonia de quem gostaria de falar comigo por este instrumento arcaico e ri deles a mais não poder, em uma espécie de histeria vingativa, pois este, dos múltiplos contatos de hoje em dia, é o que menos mostra a que veio e por sentir tanta saudade das conversas de outrora, foi o primeiro a sentir meu descaso.
Depois foi a vez de desconectar o cabo da TV porque se eu quisesse me jogar na preguiça daria tanto trabalho refazer o feito que já me tirou a vontade. Para ter certeza, virei a tela de cara para a parede para ficar bem claro para mim, e para ela, que eu estava de mal.

Corri ao interfone e despenquei-o do suporte. Eu não atenderia o zelador que vem me entregar cartas, contas, propagandas, jornais e revistas e estas ficarão amontoadas por um tempo indeterminado, uma vez que decretei momentos de total falta de lucidez. Meu tormento era buscar o vácuo, o desinteresse e o nada.
Do celular foi mais doloroso me despedir, e, antes de tirá-lo do ar cravei os olhos nos não sei quantos ícones de mensagens que atormentam meu dia para o bem e para o mal. Esta caixinha pequena guarda os meus amores e desamores, meus esquecimentos e minhas lembranças, minhas senhas e muita informação. Guarda meus amigos e os inimigos também, uma vez que muitos deles não há como se desvencilhar.

Eu buscava um estado de tédio uma vez que nos últimos tempos, esta situação de espírito sub-reptício e até melancólico não nos é ofertado, não aparecendo na nossa agenda diária nem nos alertas de última geração.
Após tudo feito sentei-me em relativa paz. E devagarzinho fui percebendo que sem querer levei a mão ao lado em busca do celular umas cem vezes, outras cem olhei para o sinal de TV a cabo, outras idas na janela para ver se o zelador estava lá embaixo me acenando. Também levantei o fone convencional para ver se tinha linha e insistentemente meu olhar passeava por cima da minha mesa na busca do pisca-pisca da banda larga.

Um pouco decepcionada e ansiosa, conectei com paciência os meus laços com a vida, parecendo inútil me apartar dela e de todo resto.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Tempo


Eu não conseguia vislumbrar um tempo mais útil ou inútil que se alongasse para que eu pudesse dar conta da faina histérica da vida de hoje que urge em todos os sentidos ou, mais precisamente, ruge, como um grande animal feroz a nos morder o calcanhar sem piedade. Então, voluntariosa, tranquei o passo e fui espiar o entorno pé ante pé, sem fazer muita graça e rebuliço.
Escolhi um tempo não contado em horas, mas nas emoções e no desatino da descoberta daquela vida amordaçada que corria paralela a minha existência real. E assim deixei que as últimas horas e dias minha mente flutuasse por aí, sozinha e sem rumo, se engraçando com a fantasia deixando para outra hora a volta. Se eu tivesse sorte talvez não mais voltasse a mim e perduraria este clima translúcido que somente nós mesmos podemos nos ofertar.  Diverti-me muito ao passear por caminhos novos atraindo ao meu dia a dia resoluções pueris que me brindaram com um novo olhar para o velho.

Com certo pudor fui desamarrando os nós que milagrosamente se desfaziam como pó e então pude perceber a fragilidade das ataduras e a facilidade, desta feita, de me livrar delas. A poeira se transformou em uma densa neblina cintilante, polvilhou as situações do antes e do depois em matizes coloridos, variando a cor conforme a cena. O passado veio empoado de brilho e juventude, o presente se revestiu de cores vibrantes e o futuro me aguarda com seu manto misterioso tecido com os fios da esperança e viço do novo.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...