domingo, 31 de julho de 2011

Mestre de Obras


Muito lentamente coloquei os olhos em minhas coisas que foram embrulhadas de última hora, num frenesi de vê-las pelas costas. O Mestre de Obras já operava em alta na demolição e eu tinha que correr para que meus pertences não entrassem na foice de corte do dito cujo. Aliás, um demolidor nato de pedras e de paciência.

O castigo durou dois meses e meio e ao desembrulhar a tranqueira percebi que eu não as conhecia. A textura, a forma e muito menos o cheiro, surgiram diante de mim pasmada como uma criança que desempacota presentes. O lufa lufa das mãos combinava perfeitamente com meus olhos brilhantes de curiosidade, evolutivos na tarefa de desencaixe das pilhas que até então aguardavam pacientemente que eu as fosse resgatar do corretivo.

Todos os objetos foram banhados com muito carinho e as descobertas foram acontecendo uma a uma. Como eu nunca havia percebido que aqueles cristais todos faziam parte de um conjunto de pratos, pratinhos, copos, copinhos e o scambal, eu não sei explicar. Lembro sempre de colocar tudo nos seus lugares, não usar e nem lembrar que existiam. Meu olhar passava incólume pelo tesouro guardado parecendo até que eu não queria dar vistas, escondendo de mim mesma sua utilidade, como se tesouros não pudessem ser usufruídos.

Continuei na empreitada de reconhecimento do meu próprio terreno me desdobrando solícita ao analisar em 3D os objetos que me acompanham há pelo menos quarenta anos.

E, naturalmente, comecei a me comportar como um organizador e todos artefatos foram parar em um lugar comum, de fácil acesso, para serem desfrutados como adoráveis e sofisticados companheiros de jornada.

No final, acabei me dando conta que não seria má idéia fazer o mesmo com o meu coração que vive apertado no contraditório da vida, abarrotado de sentimentos sem destino.

Desta feita o Mestre de Obras serei eu.

4 comentários:

Carla Galvão disse...

Ao remexermos nas coisas antigas descobrimos tantas coisas inúteis e ultrapassadas que só ocupam espaço e atravancam o presente. Com é bom nos livrar de tudo isso e renovar. Mas nem tudo é inútil, pode-se ter grandes surpresas, encontrar tesouros escondidos sob a poeira do tempo...Uma boa polida pode fazer o velho brilho voltar, refletir a luz e iluminar ambientes e almas! Lindo Vera, bom que voltaste a escrever!!!

Anônimo disse...

Vera,
estes dois últimos textos refletem um outro jeito de escrever que não sei explicar bem. Gostei muitíssimo, li de uma só vez, escorrendo pelas palavras, com prazer.
Beijos.
Maria Ross

Anônimo disse...

Vera,
estes dois últimos textos refletem um outro jeito de escrever que não sei explicar bem. Gostei muitíssimo, li de uma só vez, escorrendo pelas palavras, com prazer.
Beijos.
Maria Ross

Anônimo disse...

Carla Galvão deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Mestre de Obras":

Ao remexermos nas coisas antigas descobrimos tantas coisas inúteis e ultrapassadas que só ocupam espaço e atravancam o presente. Com é bom nos livrar de tudo isso e renovar. Mas nem tudo é inútil, pode-se ter grandes surpresas, encontrar tesouros escondidos sob a poeira do tempo...Uma boa polida pode fazer o velho brilho voltar, refletir a luz e iluminar ambientes e almas! Lindo Vera, bom que voltaste a escrever!!!

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...