domingo, 13 de agosto de 2023

Preciosidades

  

Dia enevoado, brisa sorrateira e silêncio obsequioso premia o amanhecer que, lento e preguiçoso, não sabe se fica atrás do mar mais um pouco ou se irrompe com bravura e cumpre com sua rotina neste dia sombrio. Meu olhar e minha respiração acompanha o tempo e sigo fuçando na quinquilharia circundante, não sei bem se para organizar tudo novamente ou se apenas procurar um norte, um ensejo, uma proposta, uma esperança de um pensamento vago. 

Na separação da traquitana dei de cara com fotos fluidas, de outro tempo. Em meio a modorra do dia saltou à minha frente aquela chave antiga que combinava tanto com o amanhecer sombrio quanto às minhas conjeturas e, ávida por assuntos memoráveis tratei de me dedicar ao objeto com fervor. 

Lembrei-me muito rapidamente do meu armário de criança a qual me foi dado o direito de ter nele uma gaveta chaveada o que considerei um privilégio inestimável e iniciei então a minha coleção sigilosa de assuntos diários de criança, temas estes que mereciam ser inatingíveis e secretos. 

A chave por si só denotava grande capricho e responsabilidade no manuseio me encantando pela confidencialidade que se interpunha entre nós. Com cuidado, passei a colecionar assuntos caros na meninice e assim fui empilhando pequenos bilhetes familiares, resquícios de um ensaio de prosa, página de caderno rasgada e solta,  um bloco pequeno em branco contendo entre suas páginas pétalas ressequidas, um pequeno diário chaveado, um toco de vela, uma travessa de cabelo, um laço de fita amarelado pelo tempo, um estojo com lápis, apontador e uma borracha, um feixe de lápis de cor, um porta joia com uma caneta tinteiro, uma caixa minúscula com meu primeiro dente de leite, uma mecha de cabelo encaracolado enlaçado com fita de cetim azul ,uma bola de gude, um dado. Assim, rapidamente, a gaveta ficou povoada com os meus assuntos de época. 

Esta lembrança me diz da importância de vez ou outra utilizar uma chave antiga porque elas sempre abrirão tesouros.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...