sábado, 16 de outubro de 2021

Lupa

  

Foi quase sem querer que encontrei nas entranhas da minha casa aquela lupa antiga que ao surgir a mim pareceu vir carregada de história das mais simplórias até as mais escabrosas e também fiquei pensando o quão andarilha ela se tornou em quantos lares se abrigou e em quantas mãos trôpegas se firmou prestando ajuda aos pertencentes dela ao esclarecimento de letras, de formas, de alegorias ou simplesmente aumentando a vista da janela. 

Resolvi empunhar o artefato com curiosidade e como a vista anda me falhando mesmo com os quatro olhos em punho, acabei me dividindo e resolvi buscar por aqui tudo o que a vista normal não alcança e, de fato encontrei muito mais do que esperava e até necessitava. Confesso que eu costumo me ocultar atrás da visão não esclarecida fazendo questão até de me preferir andar por ai com a paisagem borrada parecendo que a vida no entorno se tornou um quadro de “Monet” o que muito me apraz e assim providencio um recolhimento automático uma vez que de fora para dentro da retina o gris impera. 

Acabei encontrando uma montanha de anotações pequenas em papéis rotos, alguns amassados com fúria, outro alisados com carinho, outros dispostos de ponta cabeça de propósito porque talvez a sua leitura seja mesmo com conteúdo sem pé nem cabeça. 

Animei-me com a lupa em riste e fui desbaratar o que eu mesma escondi, ou alijei de prontidão da minha vista por qualquer motivo, ousando imaginar que a atitude foi acertada, pois está me parecendo com esta lente de aumento que as linhas foram mal traçadas em momentos de extrema tristeza, decepção, medo ou esperança perdida que me acometeu de modo avassalador e rápido em determinado momento. Por fim as frases eram compostas de pensamentos rápidos e fugazes apenas dando a entender que o sentimento frente à vida gosta de se envolver entre tudo e nada.

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Biquíni de lacinho

 

Encontrei perdido entre gavetas e guardados de verão que se amotinam quando o sol se abranda, meu último biquíni de lacinho, e ao me deparar com a peça tentei lembrar-me porque cargas d’água este lindo representante de tantos verões ainda sobrevivia nas minhas gavetas. Qual o motivo de eu não ter procurado um corpo mais adequado em linhas, medidas e idade para ele seguir seu caminho. Não encontrei resposta de pronto e achei por bem imaginar que eu o esqueci de propósito apenas para que a presença dele me fizesse lembrar que está por vir o verão que vou aproveitar sem a companhia dele, claro. 

Igualmente perdida estou eu neste emaranhado de vento gelado, chuva fina e mar revolto me custando muito imaginar que em algum tempo próximo o sol irá se alevantar e dar o ar da graça, por isso achei de bom alvitre que o biquíni tenha se manifestado, mesmo que nos dias de hoje eu esteja mais para sarongue, quimomo ou burca. 

De certo modo ele veio me trazer lembranças desde a infância quando eu deslizava sapeca por entre as areias de Torres vestindo um charmoso maiô de lã que – logicamente – ao sair do mar pesava mais do que o meu corpo de criança. Só lembrar desta peça já me valeu a recordação de dias memoráveis nas areias da praia. 

Dali, parti para vestimentas que me cobriram em tantos anos de natação no mar, no rio, na piscina me dando conta que nenhum destes maiôs atléticos sobreviveu ao uso, encontrando-se apenas na minha memória que também carrega os aromas da água salgada do mar além da arrebentação, do cloro da piscina e do odor característicos dos rios em que dei minhas primeiras braçadas. 

Cheguei finalmente ao biquíni de lacinho guardado entre papel de seda e caixa colorida que se postou na minha frente desafiadoramente, trazendo consigo sua história e a minha na beira do mar. Com cuidado o levei de volta ao fundo da gaveta, mas não as lembranças de riso mais fácil, de adesão ao colorido, de cantorias e sol de verão rachando os amantes da beira mar.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...