segunda-feira, 1 de março de 2021

A horta

 

Meu vizinho me cedeu um pedaço do terreno dele já adubado e preparado para plantar o que me desse na telha o que me levou imediatamente a pensamentos metafóricos uma vez que me lembrei daquele ditado ou mantra, ou anuncio comercial que diz “em se plantando tudo dá” e dei tratos à bola rapidamente e percebi que alimento seria uma boa ideia. Nada contra as flores que enfeitam e perfumam o jardim além de suavizar o olhar de quem lhe põe os olhos, todas as manhãs, acompanhando também o voejar dos insetos que se fartam entre elas. 

Porém, junto a este pensamento de estrear uma horta num pedaço de chão adubado não pude deixar de imaginar que estarei curvada na tarefa, com mãos e pés grudados na terra, respirando húmus, cheiro de tempero recém-plantado e olhos vidrados no vai e vem de cascudos, minhocas, lesmas e caracóis felizes por ter encontrado por ali um campinho só deles. Acho que até ficaram me observando e fresteando quais raízes iriam adentrar o solo para que eles pudessem fazer a sua parte, refrescando a terra no calor, deixando que a água excessiva se vá terra adentro na busca de outros cantos para encharcar. 

Imaginei minha total liberdade de ficar a deriva junto ao sol da manhã, e assim como minhas mãos e ferramentas tratarão de dar vida a quem ainda é semente ou raiz minha fala será direcionada a brisa leve praiana com destino já tratado de pousar letra por letra em meu caderno de anotações que anda largado por ai não sei bem onde, mas apreendo que se encontre levemente amarrotado e revirado como a terra que está pronta para dar vida. Ao fincar mãos e pés na terra muda o meu sentimento e, ora em diante o verbo que possui tanta nuance será conjugado com toda a sua significância, indo do regular ao intransitivo.

Nenhum comentário:

Papelaria em dois tempos

  Não sei quem me encontrou primeiro, se aquela papelaria antiga ou eu, que ando gastando a sola do sapato atrás de quinquilharias que lembr...