sábado, 5 de outubro de 2019

Caminhão do lixo



Agarrados e desgarrados lá se vão pendurados na caçamba que balança, mas não cai, socorrendo o planeta da mão humana que espalha o que estiver em seu alcance com tanta ênfase que uma rápida olhada no conteúdo resgatado dá certa ideia do que parece mas não é. Um mix de fazer inveja ao varejo aonde tem de tudo um pouco vão se amontoando num alegre feixe que se cria a partir do cantarolar estranho de quem recolhe.

Por ali se acumula parte do que foi uma estratégia de marketing, um pedaço de uma mente criativa, um volume de cores que pretensamente devem combinar no atraimento daquele produto, materiais – quase em sua maioria – feitos para durar para sempre, contrastando com a politica de que nada dure muito para fazer a roda girar. Uma roda que anda a toda velocidade nem dando tempo para pensar sobre.  A montoeira vai se erguendo a partir de tantas voltas pelos quarteirões em um balanço implacável de recolhimento do dito indesejável para uns e para outros nem tanto.

Na carona da caçamba colorida de verde de propósito se acumulam as cadeiras quebradas do verão passado, os guarda-sóis mofados, prateleira de antanho, as panelas sem serventia, as tralhas enferrujadas e as embalagens de alimentos de tele entrega porque o tempo não anda amigável e a fome não arrefece, em contrapartida da preguiça, que se estabelece com toda sua majestade.

Na carona desta história diária parece que os protagonistas da tarefa a levam a cabo em animada conversa e de salto em salto no paralelepípedo são atraídos pela natureza que está em seu entorno nestas paragens solitárias do inverno litorâneo. Assim se vão à jornada admirando a copa das árvores, as gaivotas que se metem para o lado de dentro do riacho se achando o máximo uma vez que não há nada a lhe espantar as asas e os bicos, os bem-te-vis que lotam os fios e gorjeiam sem parar. A natureza é tão pródiga por aqui que os arautos da limpeza podem dar-se ao luxo de, numa parada estratégica, descer do estribo e correr em desabalada carreira até o mar, jogando os sapatos,  camisa e  boné longe, mergulhando nas águas geladas da primavera. A corrida é em boa velocidade e a arrecadação dos pertences recolhidos em sua volta também. A galera colega aguarda na borda da caçamba o gari praieiro que sabe aproveitar o dia.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...