domingo, 27 de maio de 2018

O dia em que a alma parou



Escondeu-se o mar, voaram para longe suas aves, as conchas restam quebradas, a pesca arrefeceu, o olhar se desconcentra e some para os lados das montanhas, ardem com o sol refletindo o asfalto, os carros descansam em suas garagens protegidos ou não das intempéries marítimas. O ruído diário toma outra forma e faz zunir outros pneus nas estradas, aquelas que não levantam tanto pó, que não agridem o ambiente, que condiciona o movimento através da força muscular, do bombeamento do coração e do prazer do cabelo ao vento.

Subtraiu-se das ruas o excesso, a inutilidade de se estar na rua sem propósito, quedou-se de maneira quase instantânea a necessidade de ser andarilho para nada, de gastar sola de sapato como se não houvesse amanhã, de andar por aí sem causa justa, mas sim pelo fato simplório de não encontrar em seu reduto motivo real para recolhimento e consideração de seu íntimo.

O vazio invade com soberania os espaços instalando um pânico repentino para quem possui o olhar abaixado em circulo fechado de si. Até parece que a cervical travou e que os olhos não conseguem mais levantar-se do chão e deste jeito arrevesado eliminam-se possibilidades para quem possui bom senso, visão ampla e solidariedade. O coletivo esquece sua missão banalizando realidades contraditórias e parte para atitudes extremas como se no mundo somente existisse uma versão, uma forma de reagir consolidando a ignorância como única saída.

sábado, 5 de maio de 2018

Litoral Norte, do começo ao fim.



A extensão é imensa se pensarmos nos quilômetros que permeiam o litoral oceânico do Rio Grande do Sul reinando de norte a sul com uma paisagem sem grandes surpresas, passando, é claro, por inúmeros lugares, vilarejos, faróis, e muita gente esquecida por Deus ou que por vontade própria rumou para outro plano de vida mantendo os pés na areia. E assim vai se estendendo pelos confins da beira da praia todas as histórias que vão sendo contadas e outras que vão sendo descobertas. Sem falar nas inventadas, porque na falta de preocupação a imaginação pode correr solta e incendiar as rodas de chimarrão com muita prosa e muita risada.

O percurso – aparentemente monótono – é quebrado pelo humor indomável do mar que vai caprichosamente alterando a orla conforme seu conluio com a lua e o clima. Inseparáveis, andam juntos pela eternidade e assim vão se divertindo por entre tantas dunas e tantos lugares da encosta, uns mais bafejados pelo acumulo de gente, outros ansiosos pela solidão e silencio. A orla é generosa e vai abrigando tudo e todos de qualquer gosto para viver. Apesar de voluntariosa, as beiras da praia se orgulham de quem lhe prefere para morar.

O corredor salgado praticamente não provê obstáculos para quem deseja nele se enveredar, voar, velejar, viajar de jipe, a cavalo, carroça ou o que mais aprouver. Com persistência, porém, gosta de brincar com obstáculos porque a natureza é sua rainha e a ela deve devoção.

Este caminho sem convulsão aparente toma um choque ao se aproximar o norte dando de cara com uma topografia totalmente inversa do que até ali a trilha levou. E assim erguem-se majestosas formações rochosas que se formaram há milhões de anos trás, com a distribuição impressionante – visto o caminho monocromático até ali – de montanhas, morros recifes e fragmentos perdidos de sua origem que, por capricho da natureza, dali não quiseram ou não puderam se desgarrar, ficando assim afilhotados na grande erupção do passado. É bem verdade que se toma um choque visual ao adentrar a última cidade litorânea do Estado deslumbrando-se o olhar frente ao inesperado. Uma surpresa parecida com a vida da gente, talvez depois de um monótono caminho de vida sempre pode surgir uma topografia diferente aligeirando nossos pés em meio a novos pedregulhos.

Gosto amargo

  Girei os calcanhares com gosto amargo na boca travando meu raciocínio para reconhecer o espaço de tempo que ocupo desde há muito e que hoj...