Acordei com aquele sino na
cabeça ribombando em mil acordes dissonoros, claudicantes, e ao mesmo tempo em que
o badalo ia lentamente de um lado ao outro, parecia tão rápido que eu mal
conseguia acompanhar. Demorei um pouco para perceber que o sono surgido com
tanta urgência na noite anterior veio com a missão de acumular assuntos de
todas as tendências, se apresentando tão cedo, incontinenti.
Entendi que não estava dando
tempo para olhar cada um com parcimônia, porque logo atrás deste, vinha o
seguinte me acenando e cada um parecia mais urgente. Era como se eu estivesse
diante de tantas tarefas acumuladas que só de olhar a planilha a vontade era de
desistir.
Faz um tempo que me
espreguiço sobre assuntos dando-lhe as costas sem aprofundar a questão, sem
ficar curiosa, sem ter alegria de esmiuçar o vocábulo, a intenção ou mesmo o
disparate que tenta me seduzir.
Está me parecendo agora que um desdém altivo é
o vírus que me contamina que me enfraquece que me tira o alfabeto da linha de
frente tornando-me eu, desta forma, uma parasita dos sem palavras.
As notas que antigamente eram dramaticamente digitadas ou rabiscadas em qualquer pedaço de papel sumiram da
vista, ou melhor, da cabeça. Eventualmente algum assunto parece vir me acordar
deste silêncio absurdo a que me prendi, mas se esvai como a bruma da manhã que
morre para dar nascimento à luz do dia.
Nesta manhã intuí que a fila
de agravos e desagravos havia aumentado sensivelmente se tornando uma doença
inevitável e que para dar cabo da mesma somente indo a campo.
Com paciência, desta vez,
foquei um a um os temas na berlinda e fui reparando que ao percebê-los, já não
me pareciam ter sentido, estavam distantes de mim, não comprometiam meus
sentimentos e nem partilhavam de um mínimo de atenção do meu coração.
Dentre tantos que descartei
por desmerecimento absoluto, aparecia a situação surreal de desentendimento que
me levou a tantas lágrimas e desespero, resultando em ferida aberta, porém, agora
aplico o cicatrizante chamado tempo, que remedia tudo o que remédio não tem.
Passei aos outros itens mais
entusiasmada, com metade de mim que reiniciava a passos lentos. Dei de cara com
a surpreendente irrelevância que assoma nossos dias, que dilacera nossa
esperança que inviabiliza sorrisos e atravanca a rotina.
Como uma bofetada eu percebi
todos os rouba-tempos que minavam a minha leveza e a minha capacidade de evocar
a vida que segue todos os dias, esta particularidade simplória que se configura
como nosso motor mais completo e azeitado.