Os três amigos, O Prédio, A
Menina e O Rio, estavam encostados na
barranca assistindo a tentativa de demolição do Prédio. O mais cínico de todos,
O Rio, marolava satisfeito e vez ou outra jogava sua água barrenta nos
operários que, estavam ali suando a camiseta, para derrubar o “combalido”
prédio. Na conversa entre os três ele ameaçava inundar aquele maquinário e
traga-los para as profundezas do seu leito. Mas era só conversa, estavam todos
mais atentos ao destino que se cumpria, muito mais doloroso para quem se
exauria na tarefa do que eles próprios.
Sereno, O Prédio se via
ainda pela metade e divertia-se com a dificuldade em derrubá-lo, estavam todos
tão pequenos ao seu redor parecendo querer domar um gigante, logo ele, sim, um
gigante por dentro, por ter sido referência industrial por tantos anos, por ter
sido objeto de desejo de muitos que queriam trabalhar ali e também por ter
levado o nome da sua cidade para muitos cantos do mundo.
As marretadas já doíam na cabeça da Menina que acompanhava os dois na via crusis que estava sendo esta
empreitada. Não podia deixar de comentar a ironia que levou a este fim e tantas
ameaças de que o Prédio iria cair, matar pessoas, uma vergonha estar ali,
esquelético, mas de pé. A resposta veio rápida, porque o Prédio resolveu ficar
erguido por mais tempo e assim agitar a memória e não se ver diminuído em sua
importância somente porque iria virar seixo no chão.
A Menina, O Prédio e O Rio
estavam encantados com o futuro que se avizinhava, pois haveria apenas
escombros de um ícone histórico, tão empedernido que em hipótese alguma se
deixaria abalar por lhe tirarem a vida de pedra. Já se vê quase como um
amontoado de entulho no chão o que não invalida absolutamente sua memória.
Muito pelo contrário.
O olhar dos três se voltou
então para a cidade, a nova morada do Prédio e da Menina acompanhados de longe
pelo Rio que, em sendo muito traquina, volta e meia se faz transbordar e invade
a cidade para um passeio.
A combinação entre eles é
que agora teriam uma missão, talvez até mais pesada do que simplesmente montar
guarda no Prédio vilipendiado por muitos. Era chegado o grande momento de se
engalanarem e fazerem uma completa varredura nos acervos culturais da cidade e
buscar entre tantos alfarrábios pedaços do Frigorifico que nasceu ali, se desenvolveu
e ajudou muitas pessoas em sua experiência e crescimento profissional. Sairão às
ruas, aqueles dois, revisitando para trás cada passo dado, cada foto tirada,
cada evento ocorrido, juntando todas as peças criando um grande caleidoscópio
que se chamará trajetória.
Engana-se quem quis ver O
Prédio sumir da face da terra. É neste momento que a luta será urdida porque O
Prédio terá Voz.